EXHIBITIONS


Alice Lara: O Fastio da Terra & O Rei do Gado


Texto Curatorial [ Curatorial Text ] : Marcio Harum

Solo Show
15.09.2023__02.12.2023

︎Asfalto


As pinturas da exposição O Fastio da Terra & O Rei do Gado, de Alice Lara, surgem a partir de um gênero de matriz rural, em metabolização junto à memória social de convívio e do encontro com observações estéticas acerca do universo de investigação musical da própria artista.

Na exibição, a série O Fastio da Terra é apresentada como um conjunto de pinturas de 2022-23, em acrílica, óleo e encáustica sobre tela, - algumas delas aparecem até mesmo hasteadas com delicadas estruturas de madeira. O teor pictórico da série é voltado à motivos tipicamente pantaneiros: como um pequeno rebanho de bois, um cavalinho, uma vaca, um bezerro, um tourinho e por fim, jacarés. A inspiração para os trabalhos de O Fastio da Terra chegou tempos depois de Alice haver integrado como artista a equipe de um projeto de caráter sócio-educativo-artístico e ambientalista na região do Pantanal. Realizado sobremaneira entre novembro e dezembro de 2020, durante o período mais crítico da pandemia de COVID-19, quando absolutamente ainda não existia no país nem as primeiras doses vacinais em circulação, - naquele momento, o grande incêndio acabara de devastar as proximidades do território da Serra do Amolar à margem do Rio Paraguai, entre a divisa dos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Bolívia. Como em um retrato dos efeitos da destruição, carcaças de animais, vegetação petrificada, solo queimado e o cheiro de morte pairavam no ar, a desolação da paisagem natural a compor um cenário do antropoceno.

O Rei do Gado, série de pinturas de 2024, conta com aproximadamente 10 telas em acrílica e remete ao protagonismo do agro-pasto e a figura anti-heróica do caubói do apocalipse. A cultura do sertanejo universitário é posta à prova pela ostentação dos agroboys em relação a símbolos como o Nelore, marcas de caminhonetes 4X4 e logos em seus fivelões para participação em motojadas, leilões e rodeios do circuito. Os relatos não são mais os dos meninos da porteira, e sim, foram substituídos academicamente pelos do agrobusiness e das ciências do campo. 

Como bem explica Gustavo Alonso, historiador, professor da UFPE, e autor de “Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira” – ed. Civilização Brasileira, 2015, o ambiente cultural em questão vem passando por profundas transformações recentes, e têm se sofisticado com a presença de cantoras, o advento da sofrência (subgênero melodramático dos mais populares na atualidade), o sucesso de novas masculinidades em evidência (autoerotização e manifestação do queernejo) e a estabilidade do sertanejo raiz (que muda de posicionamento de acordo com as referências de época).

Além de ser percebida quase como uma ativista do direito animal pelo agronejo, Alice Lara, artista do DF, demonstra em sua trajetória cercanias biográficas entrelaçadas, e traz igualmente a sombra da ansiedade climática sobre este meio específico. Suas memórias de proximidade com dados do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), órgão fundado em 1989 em Brasília, são precedidas pelas cicatrizes políticas por já ter feito menção em trabalhos anteriores ao MST.

O triunfo da seleção de pinturas de O Fastio da Terra & O Rei do Gado é irromper no espaço expositivo com títulos semelhantes a uma playlist de literatura e música.


____


The paintings from the exhibition O Fastio da Terra & O Rei do Gado by Alice Lara, emerge from a rural matrix genre in metabolization, alongside the social memory of coexistence and encounter with aesthetic observations about the artist's own musical research universe.

In the exhibition, the series O Fastio da Terra is presented as a set of paintings from 2022-23, in acrylic, oil, and encaustic on canvas - some of them even appear hoisted with delicate wooden structures. The pictorial content of the series is focused on typically Pantanal motifs: such as a small herd of cattle, a little horse, a cow, a calf, a bull, and finally, alligators. The inspiration for the works of "O Fastio da Terra" came some time after Alice joined as an artist in a socio-educational-artistic and environmental project in the Pantanal region. Carried out mainly between November and December 2020, during the most critical period of the COVID-19 pandemic when there were still no vaccine in circulation in the country, - at that moment, the big fire had just devastated the surroundings of the Serra do Amolar territory on the banks of the Paraguay River, between the borders of the states of Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, and Bolivia. Like a portrait of the effects of destruction, animal carcasses, petrified vegetation, burned soil, and the smell of death hung in the air, the desolation of the natural landscape composing a scenario of the Anthropocene.

O Rei do Gado, a series of paintings from 2024, features approximately 10 acrylic canvases and refers to the protagonism of agro-pasture and the anti-heroic figure of the cowboy of the apocalypse. The culture of Brazilian contemporary country music, very popular between young crowds, know as “Sertanejo Universitario” is challenged by the ostentation of the young men from the field, know as “agroboys”, in relation to symbols such as: Nelore, 4X4 pickup truck brands, and logos on their belt buckles for participation in motorbike rides, auctions, and rodeos parties of the circuit. The narratives presented here are no longer those of the boys from the farm, but academically replaced by those of agriculture business and field sciences.

As Gustavo Alonso, historian, professor at UFPE, and author of "Asphalt Cowboys: Sertaneja Music and Brazilian Modernization" - published by Civilização Brasileira, 2015, explains, the cultural environment in question has undergone profound recent transformations and has become more sophisticated with the presence of female singers, the advent of "sofrência" (a subgenre of melodrama most popular today), the success of new masculinities in evidence (autoeroticism and manifestation of “queernejo”), and the stability of the old school Brazilian country music: the "sertanejo raiz" (which changes position according to time references).

In addition to being perceived almost as an animal rights activist by the ones involved in the controversial Brazilian agriculture industry, Alice Lara, an artist from Brasilia-DF (a modernist projected city that hosts the Brazilian parliament), demonstrates in her intertwined biographical trajectory, and equally brings the shadow of climate anxiety over this specific environment. Her memories of proximity to data from Ibama (Brazilian Institute of the Environment and Renewable Natural Resources), an agency founded in 1989 in Brasília, are preceded by political scars for having already mentioned in previous works the MST.
The triumph of the selection of paintings from O Fastio da Terra & O Rei do Gado is to burst into the exhibition space with titles similar to a literature and music playlist.